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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Hoje

Hoje é mais um dia na vida de Ana , hoje será o ultimo , não podem dizer que ela não os avisou , não podem dizer que ela não deu pistas , Ana agarra naquele objecto cinzento e metálico e olha-se outra vez ao espelho da casa de banho do liceu , olha-se pela ultima vez , da sua breve vida , 16 anos , um grupo de amigos procura-a pela Vila , mas Ana não sabe , não quer saber , ela avisou .
Tudo começou há dois anos , Ana começou a sentir o seu corpo mudar , e junto com essa transformação uma tristeza sem fim , estava com depressão , os pais não sabiam , naquele monte alentejano , ninguém imaginava o que era uma depressão , a irmã licenciada e citadina , que os visitava ao fim de semana , poderia ter desconfiado , poderia se Ana não oculta-se tão bem todos os sinais , todas as angustias e tristezas , um sofrimento que a corrompia por dentro e por fora , um sofrimento sem explicação que a matava aos poucos .
Ana pouco comia , chorava horas sem fim deitada no seu quarto , luz apagada , cortinas corridas , só saia do quarto para jantar e para montar o seu cavalo e aos fins de semana . A mãe estranhava o seu silêncio na mesa de jantar , a sua falta de apetite , os seus olhos sempre vermelhos , mas Ana disfarçava , dizia que tinha que usar óculos porque se cansava muito a ler , e que lia muito quando estava no quarto , e que não comia porque lhe doía o estômago , a mãe levou-a ao médico , que lhe receitou uns comprimidos para o estômago e para comer melhor e uns óculos , mas nada para a alma que cada vez estava mais doente .
Os amigos esses sabiam que ela não estava bem , muitas vezes lhes dizia , "qualquer dia morro , mato-me " e de tantas vezes o repetir eles não acreditavam que o fizesse, tinha uma boa vida , os pais eram boas pessoas , pessoas ricas e felizes , ela vivia bem , pensavam eles , era só mais uma fase , mas Ana sabia que não era uma fase e sabia onde estava a arma do Pai , já a tinha visto várias vezes , já lhe tinha pegado e noutros dias já a tinha trazido para a escola sempre com a mesma intenção , mas na hora H , pensava nos pais e faltava-lhe a coragem , mas hoje não , não estava a fazer nada neste mundo , a sua vida era um vazio , um grande buraco vazio , sentia-se tão só e tão infeliz para quê viver assim , sempre ouviu dizer que morrer era um acto de cobardia , mas não , Ana achava que era um acto de coragem , porque viver uma vida sem sentido , isso sim , é cobardia , pegou na arma , meteu-a na boca , a mão tremeu , Ana segurou-a e com as duas mãos fechou os olhos e puxou o gatilho , os amigos ouviram o som de um tiro e correram para a escola , a mãe deixou cair um vaso de flores , pôs a mão no coração e gritou "Ana , minha filha " na chão da casa de banho uma poça de sangue , uma vida perdida , ninguém nunca saberia porquê , nem Ana

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