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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Fuga


Mais um dia a fugir , para outro sítio , outra aldeia , outra vila ou cidade , mais um dia de malas na mão , a casa ficou vazia , os amigos ficaram para trás , mais um pedaço da sua vida que fica ali naquela cidade , Madalena têm 16 anos e já perdeu a conta à quantidade de vezes que se mudaram nos últimos anos , ela e a mãe sempre de mala na mão , sempre a fugir dele .

Ele que nunca a quis , ele que lhe disse inúmeras vezes " não és minha filha " , ele que as ofendia vezes sem conta , ele que quando bebia , era outra pessoa , um demónio . A casa ficava destruída porque para não lhes bater , partia tudo à sua volta , no dia a seguir pedia desculpa uma e outra vez , por todas as palavras e frases e atitudes , mas o coração delas ficava despedaçado , não havia retorno , as palavras magoavam tanto quanto os socos que não lhes dava , o amor simplesmente deu lugar à desilusão , pouco a pouco este deixou de existir , ficou a desilusão e a raiva , muita raiva , raiva por ele não ser o pai , raiva por ele não ser o marido e sim outra pessoa qualquer que não conheciam , um alcoólico , que não fazia mais nada a não ser beber e tornar-lhes a vida num inferno . decidiram fugir no dia em que ele levantou a mão para dar uma bofetada a Madalena , não deu , mas doeu como tal , no dia a seguir deixaram aquela casa e foram para outro sítio , bem longe , muito longe .

Mas ele procurava , procurava e um dia , um ano depois quando Madalena voltava da escola lá estava ele à porta do prédio , com aquela expressão de cachorrinho abandonado, com aquele ar de pessoa boa , pediu-lhe perdão , deu-lhe mil beijos , chamou-lhe de meu amor , disse-lhe que nunca mais iria beber , que as ia fazer felizes , e elas no fundo queriam acreditar , dar-lhe uma nova chance , a ultima .

Mas foi assim durante pouco, pouquíssimo tempo , um dia quando menos esperavam , quando a felicidade parecia tão perfeita que até doía , entraram em casa e lá estava ele com aquele ar de vagabundo , com aquele olhar doente e vazio , com aquele hálito a álcool , pronto para mais uma noite de terror , desta vez , foi mais violento , desta vez doeu mais , atirou as duas contra a parede e quando se preparava para lhes bater a serio , Madalena acertou-lhe com uma estatueta , pegou na mão da mãe sem nem sequer olhar para trás e fugiram , fugiram até nascer o dia , de lágrimas nos olhos e coração nas mãos .

Desde então continuam a fugir à procura de um sítio onde ele não possa chegar , onde não as procure , vivem uma vida suspensa , onde o dia prefeito pode não ser assim tão prefeito , onde a felicidade se resume a momentos , partilhados pelas duas , onde só existe o amor de mãe e filha , onde tudo é inconstante , uma fuga sem fim , do presente , do passado e do futuro .

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